quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Observação cotidiana (II): Eleições


Eu não vou negar que acho engraçado quando me aparece um candidato a vereador chamado "Infiteti das Costa Oca" e que como promessa de campanha diz que vai tirar as pessoas das ruas... e levá-las para as calçadas.

Mas acho um absurdo a Justiça Eleitoral permitir que isso seja feito no horário eleitoral GRATUITO.
Ora, meu amigo, se você quer fazer comédia, num canal aberto, deveria ser obrigado a comprar um tempo naquele canal. É uma gozação e desdém com o sistema republicano de voto livre – tão dificilmente conquistado pelos brasileiros após a ditadura – que chega a causar espanto que se deixe esse tipo de coisa acontecer.

Põe por terra aquelas campanhas pelo voto consciente, pela seriedade do plebiscito... A própria classe política, já tão desmoralizada, também perde com isso e deveria se mobilizar.

Enfim, pode ser engraçado na hora, mas tenho certeza que a História do Brasil sangra sempre que isso acontece.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

16 de julho e o que o futuro trará

Não é nenhum segredo as coisas que vêm me acontecendo ultimamente. Minha família luta contra um inimigo invisível e nossa maior arma  é a fé, o apoio imensurável que os amigos vêm nos dando e é sempre maravilhoso ver o apoio de todos. 

Cheguei a pouco tempo de uma viagem que fiz a trabalho como guia de um grupo de adolescente entre 13 e 16 anos para a Disney e que foi extremamente revigorante. Ser contaminado pela alegria e pelos sorrisos dessas pessoas que nem se dão conta que estão passando pela melhor fase da vida não tem preço. Me fez esquecer em vários momentos das tempestades que meu barco irá atravessar.

E em meio a tudo isso, o avião pousou em Natal na véspera dos meus 26 anos, meu aniversário. Esse ano a comemoração foi comedida. Só familiares e uns poucos amigos. Mas me senti muito, muitíssimo feliz com todas as demonstrações de carinho dos meus amigos e dos votos de força que sempre eram direcionados a mamãe e esse foi um presente sem preço.

Dentre todas as manifestações de afeto que recebi, preciso destacar uma feita por um anjo chamado Talita Dantas, amiga, irmã e companheira de muitas garrafas de vodka. Recebi um e-mail dela que transcrevo abaixo. 

Minha Micha, você não faz ideia do bem que me fez com suas palavras. Como afirmo, aliás, não só eu como todo nosso grupo de amigos, você é uma menina de ouro.

Através desse meu agradecimento a ela, quero registrar meu apreço e meu eterno débito com todos os ombros que têm sido me oferecidos nessa jornada. Que essa nova idade renove as esperanças do meu coração.

À vocês, minha eterna gratidão.

"Parabéns para o menino que é gente grande, mas vai SEMPRE conservar a criança dentro de sí para poder ser feliz. Ainda bem. 
Imagino as centenas de mensagens, postagens e tudo mais no dia de hoje, eu to mandando esse email porque cabe mais coisas que uma msg, e o facebook é demais para as palavras que, embora você já saiba. Mentira, é porque eu sou brega mesmo, por mim falava com amigos por carta, como é muito complicado, adoooro um email.
 Também convenhamos ne? O tempo tá voando!!! Parece que foi ontem que te liguei, você no Rio, pra variar tinha perdido o celular e te apelidei de Peter Pan. Cá pra nós, né por nada não, mas é o melhor apelido de todos, sério, pra mim o personagem foi inspirado em você.
Enfim, baby, o melhor do mundo, eu te desejo, sempre! Isso é clichê, dar os PARABÉÉÉÉNS e desejar que Papai do Céu seja sempre a sua sombra, também. Mas o que não é clichê é o porque dos parabéns. Puts, você tem tudo pra ser um playba chato, metido a besta, nariz empinado e otário (ok ok, isso você é as vezes). Mas ao invés disso, você é do bagaço, simples,  humilde, feliz por ser feliz, gosta de vinho barato e de uísque 8 anos. Isso é sensacional! Você tinha tudo pra ser acomodado, e saiu das barras da família, foi buscar o que queria, montou seu próprio escritório e tá avançando com as próprias pernas. Você mantém o seu sorriso quando passa pelas piores barras. Você é uma obra de Deus, e por isso eu acredito que o melhor tá guardado pra você. O melhor amor, os melhores sorrisos, as melhores farras, o melhor do sucesso, os melhores amigos, as melhores lembranças, o melhor futuro.
Celo, eu te amo! Muito! Te amo sem malícia, te amo com um instinto de proteção, com um sentimento de irmandade. Uma vez você me falou que eu era um anjo, bom, se eu fosse, seria igual àquele que Jhon Travolta interpretou, mas se eu pudesse assim seria pra você. Digo isso, porque, apesar de estar mais do que provado que você tem MUITOS e os MELHORES amigos, eu estou aqui, de longe, para O QUE VOCÊ PRECISAR e segurar na gola da camisa, caso você esteja perto de cair.
Eu peço a Deus que o seu caminho seja sempre de luz, que apesar das dificuldades, que ele sempre lhe carregue nos braços quando necessário. Que quando vier a tempestade em meio aos seus, você faça valer o seu nome, ROCHA e se sustente, e àqueles que tanto necessitam de você. Que ele afaste de ti aqueles aproveitadores, que se encostam só para aproveitar uma ponte do seu brilho. Que quando o seu coração sangrar, ele se recomponha rápido, e quando o seu riso faltar, ele volte ainda mais rápido. Que você receba todo o amor que houver nessa vida, porque alguém com um coração tão grande só merece isso. Que nunca lhe falte motivos para beber. E finalmente, agora sendo bem egoísta, que ele me conserve sempre em sua vida, porque você virou parte de mim como poucos, e sem você, hoje não sou.
Que papai do céu te abençoe meu Peter, hoje, amanhã, e por toda a eternidade, pois tenho convicção de que você é um espírito de luz, e bênçãos, é só o que você merece. Sinta-se beijado e fortemente abraçado.
Feliz Aniversário."

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Parei de ler você


Não gosto de largar livros na metade.

Por mais enfadonho que o enredo se torne, quando começo uma leitura, crio uma fidelidade instintiva que só cessa quando eu leio a última palavra. 

Penso o mesmo com relação às pessoas. Não me apetece abandonar alguém, por mais enfadonha que a pessoa se torne.

Quando conheço – e gosto – de alguém, crio uma fidelidade instintiva que nunca cessa. Tenho mania de travar relacionamentos demasiadamente intensos.

Mas leituras melhores sempre acabam surgindo no caminho, até mesmo quando você não tá procurando. É aquela resenha de um editorial que você lê por acaso numa sala de espera e imediatamente lhe encanta. 
Em algumas vezes é proposital: o livro lhe cansa e o objetivo deles não é lhe fatigar, mas sim agradar e, portanto, nesses casos, é melhor que a última palavra lida seja aquela preposição que se torna sem nexo pela parada brusca da leitura.

Existe gente que acaba findando assim: sem nexo. São as pessoas que um dia lhe chamaram atenção suficiente pra lhe convencer a adentrar nas suas vidas, folhear as suas histórias. 

Por obra do destino (ou em certos casos por pura premeditação) aqueles contos não lhe interessam mais, não despertam mais nenhuma curiosidade... não lhe emocionam.

Pensando nisso tudo, talvez eu esteja errado quando me martirizo por abandonar um livro. 

Essa é a melhor solução: pode ser que alguém esteja só esperando eu largar essas páginas pra começar a lê-las e, oxalá, dar-lhes cabo. Quem sabe até dizer “esse é meu livro favorito”.

Desejo felicidades a todos os livros que eu já deixei. Assim como desejo o mesmo paras as pessoas que eu já não convivo mais.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Observação cotidiana (I)

Natal sempre foi uma cidade de gente exacerbadamente fútil, entretanto, de uns tempos pra cá, acho que isso se multiplicou.

Não sei se fui eu que, após um tempo morando numa cidade grande, passei a reparar mais na pequenez da gente daqui ou se realmente essa onda de "fashionistas profissionais" tem feito com que a população fique mais bizarra.

As mulheres, hoje, cada vez se vestem mais iguais, usam os mesmos acessórios, em tudo semelhantes àquelas empregadas de indústrias do começo do século passado com suas fardas cinza.

Tantos anos de luta pela independência do tal sexo frágil para agora tornarem-se escravas da moda ditada por pessoas sem “um real” de inteligência? Citando Shakespeare, “há algo de podre no reino da Dinamarca”.

Falo das mulheres, pois são elas as principais vítimas dessa tendência (essa palavra me causa arrepios), mas os homens têm sua parcela de culpa – e até participam! – desse conchavo: a mulher “bixinha” é aquela que tá com a saia acima do umbigo e uma camisa meio folgada amarrada num canto da barriga... Opa! Confundiu-se? É... Não tem como distinguir, já que todas se parecem mesmo.

Tampouco me eximo de culpa, mas posso afirmar sem medo que a cada dia que passa, eu admiro mais o diferente, o exótico, aquilo que a gente vulgar insiste em chamar de estranho.

O que há de mais admirável em alguém vai muito além das camadas de tecido que a envolve. Ser original e autêntico, pode crer, meu irmão, nunca esteve tão na moda.


"Chique é ser feliz; elegante é ser honesto; bonito é ser caridoso; charmoso é ser grato. O resto é inversão de valores." (autor desconhecido)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O elefante e a honestidade

Eu queria lhe pedir honestidade.

Eu sei que ser honesto tem seu preço. Em várias oportunidades a mentira pode ter um gosto mais doce, mas fique certa que é tão doce quanto volátil.

A sinceridade de uma verdade pode lhe amargurar o paladar, mas aquilo vai lhe alimentar e você vai agradecer depois.

Eu nunca tive condições de iludir você, e ponho as coisas nesses termos porque é verdade: em todas as minhas tentativas de ser desonesto com você, fui pego em flagrante por sua mirada de raio-x. Às vezes eu achava que eram meus olhos que tinham aprendido a falar, mas com pouco tempo eu percebia que aos outros eu enganava. A você, nunca.

Então posso garantir isso: nunca fui falso com você, até mesmo quando assim eu desejava.

Por isso, por todas as outras milhões de razões que eu poderia expor, mas que prefiro que você mesma encontre dentro de si, eu lhe peço: seja honesta. Diga aquilo que eu não quero ouvir, o que eu menos quero ouvir. Fale sem reticências sobre esse elefante colorido que ocupa nossa sala todos os dias e pelo qual passamos com naturalidade disfarçada. Mate logo isso que já está morto, mas que eu, pelo amor obsessivo e doentio que tenho por você, não consigo enterrar. Haja apenas agora por quem tantas vezes moveu o mundo por você. Pelo menos dessa vez, não me deixe insistir investindo nessa empresa falida. Não me deixe mais apostar nesses dados viciados.

Eu preciso que você me livre de você.

Talvez aí, e só aí, eu possa arrumar a sala que o elefante pisoteou.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Entre copos (III)

Toda uma novela de Manoel Carlos (a frase).

Quando a morte se torna uma ótima alternativa (o momento).

Daniel (a pessoa).

     Filho da puta.

     Fi-lho-da-pu-ta!

     Era tudo o que eu conseguia pensar todos os dias de manhã quando acordava naquele quarto minúsculo que eu ainda tinha que dividir com alguma gringa fedorenta de passagem.

     Um mês. Um mês inteiro vivendo num hostel xexelento na Barão da Torre por causa de um fi-lho-da-pu-ta.

     Quando penso na cara do meu ex-locador quando fui tentar renegociar o apartamento da Galeria Alaska em que eu morava antes de me mudar pra casa de Daniel meu sangue ferveu.

     O apartamento não havia sido alugado por ele. O ex-locador nem sequer conhecia Daniel e achava que eu mesma era quem tinha desistido do lugar que agora era ocupada por uma atriz iniciante que estava com uma peça “B” em cartaz no teatro Café Pequeno.

     Desgraçada. Pegou meu apê e ainda estava na profissão que eu sonhava.

     Mas não podia desviar minha raiva pra ela. O culpado disso foi Daniel.

     Não nos falávamos desde que eu havia deixado o apartamento dele. Daniel a princípio me deixou em paz, mas depois de duas semanas não parava de ligar, mandava mensagens e eu soube por Leo, quando fui ao Eclipse pagar minha conta, que ele estava batendo ponto no bar quase todo dia.

     Morando em Ipanema ir ao Eclipse tornou-se complicado pela distância. Tudo bem que não é assim tão longe, mas a cidade está cheia de bares.

     Arranjei um emprego provisório numa livraria onde eram feitos saraus todas as quintas. Isso me possibilitou, de alguma forma, demonstrar minha veia artística interpretando alguns poemas de minha autoria ou poesias de Fernando Pessoa, de quem sempre fui fã.

     Numa noite daquelas apareceu um diretor de teatro de ar meio soturno, com uma barba tão bem feita e fina ao redor do rosto que mais parecia uma moldura naquela face branca. Me deu seu cartão e pediu pra que eu o telefonasse pra nos encontrarmos.

     Achei que minha vida começava a tomar um novo rumo. Novo bairro, novo emprego, novos bares, novas expectativas.

     Velhos fantasmas.

     Numa tarde qualquer, abri meu e-mail na livraria e, além dos e-mails de praxe de Daniel, havia um de Otávio Mendes “<sem assunto>”, mas que pra mim já era toda uma novela de Manoel Carlos com final feliz e casamento de metade dos personagens da trama.

     Esperei o expediente acabar e corri pra casa desarvorada. Abri o notebook ainda em pé e aquela tela do Windows carregando parecia uma tortura chinesa. Daniel dizia sempre pra que eu comprasse um Mac, mas de MAC pra mim bastava minha maquiagem.

     Quando enfim consegui abrir o navegador e entrar no e-mail, parecia que o inverno tinha chegado e se alojado no meu ventre. Eram cinco letras e um pedido: “Casei. Me deixe em paz”.

     Senti minha cabeça girar e vi o chão subir pra me dar um soco. Quando acordei a francesa que naquele tempo ocupava a outra cama me batia de leve no rosto e dizia alguma coisa que eu não entendia. Daniel falava francês, tinha morado em Lyon. Eu nunca me interessara pela língua, a considerava meio esnobe. Daniel casou. Como foi que ele não me avisou que ia casar? Aliás, foi ele mesmo?

     Senti a água fria sendo jogada no meu rosto e voltei a mim com um susto e a lembrança doída da realidade. Não havia sido Daniel. Foi Otávio. Afogamentos profundos e respiradas sutis. A vida sempre me tratava assim, me oferecendo uma mão pra poder ter o prazer de me dar uma rasteira.

     Levantei do chão e senti o gosto quente de ferro na boca. Sangue. Primeiro achei que havia mordido o lábio, mas a dona do hostel que estava com o copo vazio na mão e viera ao ouvir os gritos da francesa me disse com um sotaque espanhol:

- Hija, rompiste um dente.

     Quebrei um dente. Procurei o notebook para tentar reler a mensagem e me certificar de que aquilo não fora um pesadelo, mas o maldito carteiro eletrônico de má notícia jazia no chão em frangalhos. Tão despedaçado quanto um copo atirado de cima do Corcovado. Três coisas quebradas em cinco minutos: um dente, um computador, uma alma.

Minha vida era um círculo viciado. Existe um círculo viciado? Uma roleta que só lhe dá resultados negativos quando você aposta todas as suas fichas noutro número?

     Cinco letras e um pedido. Era tudo o que eu tinha, o que eu recebi em troca de toda minha devoção. “Casei”. Cinco letras. Melhor seria se ele tivesse escrito “matei”. São também cinco letras, mas pelo menos eu não teria que viver com essa dor.

     O quarto já estava apinhado de curiosos e outros estavam espreitando da porta. A espanhola dona do hostel me abanava com um leque que ela havia tirado do meio dos seios e foi quando senti o vibrar do celular. Olhei no espelho e lá estava aquele buraco. Não o do dente. Esse pouco me importava.

     O buraco que eu via era no meu peito, era na minha alma. Buracos tão escuros que me assustavam. Tão escuros que às vezes me dragam pra dentro deles.

     O olhar de Daniel. Seus dois buracos negros que sempre me engoliam, me envolviam nos seus mistérios.

     Lembrei-me do celular que vibrava incessante no bolso da farda da livraria. Era ele. Meu melhor amigo. Minha guarita.

- Monkey, até que fim...
- Daniel.
- Monkey? Que voz...
- É o Otávio.
- Natália, onde você tá?
- Barão da Torre, 107.
- Desça.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Entre copos (II)

“Play it again, Sam” (a frase).

Viver o presente com quem quer viver de passado (o momento).

Otávio (a pessoa).


     Eu não tinha feito nenhuma proposta pro locador de Natália. A verdade é que eu não fazia a menor ideia de quem era o dono do cafofo onde ela vivia.

     Mas eu sabia muito bem que ela estava desesperada e uma pessoa desesperada se apega a qualquer fio de esperança que se desenlace na sua frente.

     Já fazia uns 20 dias, eu acho, que nós estávamos morando juntos. Não foi nenhum problema pra ela se adaptar, afinal nós praticamente crescemos aqui. Meus pais eram os donos e eu assumi o apartamento da Joaquim Nabuco quando eles resolveram se mudar pra Geribá, depois de aposentados.

     Natália sempre foi a filha que minha mãe não teve e era frequente sua presença em nosso lar. A mãe dela fugiu com um nordestino que trabalhava num circo quando ela ainda era um bebê e a deixou com o pai, comerciante de materiais de construção, já com seus 50 anos quando a teve.

     Ela adorava recitar essa tragicomédia, muitas vezes com alegorias criadas por sua mente fértil, para quem qualquer um, como se a história por si só já não fosse bastante bizarra.

A verdade era que ela pouco se importava com a mãe que nunca conheceu e eu começava a achar que isso era para ela era a melhor coisa que havia em seu currículo.

     O pai de Natália era um grande amigo do meu pai e os dois tinham negócios juntos e, como éramos quase da mesma idade, era comum que o pai dela a deixasse conosco. Falecera fazia pouco tempo deixando o negócio nas mãos dela. Não preciso dizer que ela gastou até a última pataca em festa.

     A verdade é que Natália não teve boa criação. Ela era filha do mundo, apadrinhada pela vida. Flertava constantemente com o perigo. Tinha paixões tão imensas que afugentava a todos pela sua sede de viver. As pessoa não entendiam isso e a consideravam meio louca. Eu a achava brilhante. Ela era brilhante.

- Se você continuar dormindo até o meio dia nunca vai arrumar nada pra fazer na vida.
- Tá vendo porque eu não queria vir morar aqui? Você vai ficar agindo como papai?
- Não, mas eu sou seu amigo e preciso dizer a você as verdades que você não quer ver. Eu sei que você não vai voltar pra Administração, mas alguma coisa você vai acabar tendo que fazer. Por que você não vai naquela escola para atores que você viu que funcionava na Nossa Senhora com a Santa Clara?
- Francamente, D, você acha que há alguma chance de eu ser atriz nessa altura do campeonato? Eu não sou mais nenhuma boneca.
- Regina Duarte tá aí pra isso.

     Ela me arremessou uma almofada da qual eu desviei sem problemas.

- Me chamando de velha, ein?
- Monkey, tô tentando te animar. Você tem que fazer alguma coisa.
- Você podia me ajudar de verdade, né? Não é possível que não haja ninguém no jornal que não tenha contatos na TV.
- Eu já te disse que tem, mas o que você quer que eu diga? “Tem uma amiga minha formada em Administração que quer ser atriz. Não ela não tem experiência de tablado. Não, ela não toca nenhum instrumento. Dançar? Só se ela estiver muito bêbada” Você precisa começar a fazer alguma coisa pra que alguma coisa aconteça!

     Disse isso e notei que tinha tocado no seu calcanhar de Aquiles. Natália era do tipo de pessoa que tinha uma passividade agressiva monstruosa. Ela esperava muito que as coisas caíssem no seu colo. Acho que por ter sido criada por um pai já muito velho e que sempre foi mais avô do que pai... A verdade era que me impressionava uma pessoa tão inteligente e bonita nunca ter feito nada sério na vida. Ela era uma aventureira.

     Mudou de assunto como era do seu feitio quando o laço virava nó.

- Vou no Eclipse. Tá afim?
- Tenho uma pauta amanhã muito cedo pra cobrir. Bebida não vai solucionar seus problemas.
- Eu lhe fiz um convite amigável, mas você tem que tacar tudo na minha cara sempre, né? Você não sabe o que é ter um coração em frangalhos.
- Eu só quero lhe dizer que o mundo não é seu chofer. Ele não vai ficar te esperando até que seu “funeral particular” acabe e você queira enfim sair do seu “luto”. Não tente tapar o sol com a peneira. O máximo que você consegue com isso é um bronzeado quadriculado.

     Natália levantou, veio em minha direção e disse:

- Tá vendo porque eu não queria vir pra cá, Daniel? Eu nunca precisei de ninguém pra me dizer o que fazer da vida.
- Porra... Tô vendo como deu certo, ein? Tá distribuindo dólares como quem joga confete em festa de carnaval! Sem falar do total sucesso da sua vida amorosa.

     Girou nos calcanhares e falou de costas pra mim, no melhor estilo “novela mexicana do SBT na quadragésima reprise”.

- É... Eu sabia que mais cedo ou mais tarde ia ser assim – ela disse enquanto catava bolsa, chave e um maço de Camel com um isqueiro preso entre o plástico e a caixinha – Você ia terminar jogando tudo na minha cara.

     Senti sua voz embargar, mas eu sabia que ela era meio que como uma égua selvagem, que precisava de rédeas curtas para ser domada.

- Monkey, é pelo seu bem. Nesse tempo que você tá aqui a única coisa que você faz é dar plantão no seu e-mail pra ver se há sinais de Otávio, fumar e ir no Eclipse. Por falar nisso, como você tá pagand...

     Virou-se e me cortou com uma fala modulada, meio mecânica, meio abusada.

- Leo tá pondo na conta e eu prometi pagar a ele assim que eu puder.
- E quando vai ser isso?
- Ah Daniel, quer saber? Não enche, bicho! Tá de saco cheio de mim? Devolve a porra do meu apartamento! Não te pedi nada disso! Você que fez questão que eu viesse pra cá.
- Você não ia ter como...

     Natália levantou a voz e eu vi as veias do seu pescoço de retesarem.

- IA! IA SIM! Nem que eu tivesse que dar pro primeiro cara que eu encontrasse na Atlântica! Porra, você me trata como se eu fosse uma completa inútil! Sabe qualé? Tô caindo fora! Não aguento mais seus olhares enviesados e essa sua compulsão por controlar a minha vida.

     Bateu a porta. Passou a chave.

     Pensei em ir atrás dela, mas seria em vão. Naquela noite ela não me daria mais nenhuma palavra. Era melhor esperar a égua selvagem vadiar pelo campo da ilusão e recolhê-la embriagada mais tarde no Eclipse, quando Leo ligasse dizendo que ela tava sentada no piano dizendo “Play it again, Sam” como costumava fazer quando estava alta e achava que Copacabana era o Marrocos.

     Natália estava se perdendo por causa de Otávio e eu não podia deixar que ele a roubasse de uma vez por todas de mim.

     Era hora de agir.